Importância Dos Centros De Formação De Condutores

Antes de abordamos sobre a polêmica questão da necessidade dos Centros de Formação de Condutores no processo ensino aprendizagem que vem sendo questionada através de diversos Projetos de Leis (PL), no qual podemos citar em particular, o projeto de Lei n° 3.781/19, de autoria do Deputado Federal General Peternelli (PSL/SP), que propõe alterações no artigo 141 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), para permitir que os interessados em possuir a CNH optem entre: passar por um Centro de Formação de Condutores (CFC), assistindo a aulas teóricas e práticas ou se preparar de forma autônoma, submetendo-se apenas às avaliações junto ao Detran do seu estado, bem como o projeto de Lei no 6.485/2019, de autoria da senadora Kátia Abreu (PDT – TO) e o projeto de Lei (4474/20) do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), tendo como proposta desobrigar a frequência em Autoescolas para a realização dos exames teóricos e práticos; far-se-á necessário, tendo como premissa o alcance da eficiência nas políticas públicas, uma reflexão sobre os motivos ensejadores pela tomada de decisão à época do por que da obrigatoriedade das aulas teóricas e práticas serem incumbidas e realizadas pelos CFC’s, tendo tal manifesto se consagrado através das normas contidas no art. 156 do CTB c/c a resolução Contran no 789/20, que trouxe toda uma previsão de regulamentação sobre o processo de credenciamento de instituições ou entidades responsáveis por essa formação, podendo tais centros serem de iniciativas públicas ou privadas para executarem o processo de capacitação, qualificação e atualização de profissionais, e de formação, qualificação, atualização e reciclagem de candidatos e condutores, contrastando de uma forma técnica e ampla com os argumentos elencados nos projetos acima citados pelos respeitáveis congressistas.

1. INTRODUÇÃO

A abrangência do debate sobre a importância dos Centros de Formação de Condutores possui relevância em várias esferas da política pública, (saúde, previdência, educação, infraestrutura de tráfego e outros). A educação para o trânsito é um tema fundamental e de preocupação por parte do poder público e da sociedade, pois o mesmo se reflete diretamente nos campos acima mencionados.

Segundo dados do DENATRAN2, o país chega neste ano de 2020, na marca dos 105.000.000 (cento e cinco milhões) de veículos automotores e os acidentes decorrentes do trânsito figuram uma gritante preocupação nas esferas econômicas e sociais, conforme demonstrado por pesquisas realizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é um dos países onde mais existem mortes provenientes de acidentes de trânsito no mundo, o que demonstra que ações devem ser tomadas urgentemente para que haja uma redução nesses índices não somente em curto prazo (ações imediatas, como rigor nas leis, maior fiscalização, e outros), mas também em ações a longo prazo, através da inclusão perene sobre o assunto do trânsito na rede de educação.

As consequências pelo não incentivo desta política pública apresentam-se extremamente negativas tanto pelo crescente número de acidentes quanto pelos custos provenientes destes acidentes onde se vislumbra que a temática do trânsito possui ligação direta com a saúde pública que só no ano de 2018 custou 265 milhões ao Sistema único de Saúde, conforme dados do Ministério da Saúde3, tendo 183,4 mil internações e que geraram como consequência lógica também gastos à previdência, conforme estudo apresentado no Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), onde mostra que os gastos com a previdência chegam a 2,4 % do Produto Interno Bruto (PIB).

Diante de tal cenário, um debate técnico sobre os motivos ensejadores que permeiam a formação de condutores do Brasil se mostra pertinente e necessário tanto diante das especificidades do tema sobre a ideal formação de um condutor, como também sobre uma reflexão sobre os impactos dessa formação em outros segmentos que se relacionam direta ou indiretamente com a formação de condutores do brasil.

2. ANÁLISE LEGAL E PEDAGÓGICA DA FORMAÇÃO DE CONDUTORES

A modernidade tecnológica e mecânica é um dos estigmas do século XXI, a mesma traz inclusive a comodidade do uso do veículo como uma das preocupações prementes do brasileiro, seja ele de classe baixa ou alta.

Com a edição do CTB em 1997, a sociedade ganhou um novo instrumento com vistas a trilhar melhores caminhos na confecção e elaboração de projetos e ações voltadas para educação no trânsito, principalmente envolvendo em suas ações a participação da rede nacional de ensino.

SOUZA4 (2010) enfatiza que três pontos são consensuais entre todos aqueles que trabalham com o tema trânsito no brasil. Primeiro, a educação para o trânsito é absolutamente imprescindível para reduzir a grande acidentalidade de trânsito do país e transformar o espaço público de deslocamento em um espaço de melhor convívio social. Segundo, a educação para o trânsito não tem sido tratada com a importância que deve ter. Terceiro, é necessário aperfeiçoar os conteúdos programáticos relativos à educação para o trânsito no ensino fundamental.

Embora seja uma política extremamente válida e necessária para a sociedade e para os educandos de se tentar levar a educação para o trânsito às escolas, sendo tal prática fomentada por diversos profissionais e estudiosos da educação, ainda assim é de bom alvitre lembrar que a formação do condutor, especificamente, é destinada aos profissionais que compõe os Centros de Formação de Condutores, estes por sua vez possuem destinação e regulação específica para este fim, a educação no trânsito tratada até aqui de forma sua genérica de fato merece total apoio e deve ser fomentada por diversos segmentos da sociedade, todavia, a formação específica deve ser entendida como mais eficaz quando a mesma é ofertada através da instrução de um profissional específico.

Neste contexto é importante trazer a luz que o DENATRAN em uma de suas deliberações, teceu uma importante passagem acerca da educação para o trânsito com o seguinte pressuposto:

“Nenhuma ação educativa destinada às escolas deve ter como objetivo formar futuros motoristas. Não existe lei alguma determinando que todas as pessoas devem ser motoristas. E o mais importante: a escola não é um Centro de Formação de Condutores (CFC) e, portanto, o professor não tem obrigação de ensinar conteúdos de direção defensiva, legislação etc.”

Como bem observa DURKHEIM6, (1902), a principal função de um professor é formar cidadãos capazes de contribuir para a harmonia social.‖ E tal função, só pode ser realizada através de profissionais que se dedicaram durante anos para ter uma formação específica, não tão somente a alguns outros de áreas do saber distintas que procuram melhorar suas técnicas de ensino, garantia dessa forma à qualidade mencionada no texto constitucional.

A formação de condutores é realizada por instituições específicas, devidamente credenciada e fiscalizada pelo DETRAN do estado a qual exerce sua atividade. Atualmente essas instituições são classificadas pela norma vigente como Centro de Formação de Condutores – CFC, podendo estes serem de 3 tipos, a saber: tipo A, destinado apenas para oferta dos cursos teóricos, tipo B, para oferta dos cursos práticos e tipo AB para oferta de cursos teóricos e práticos de acordo com o que rege o Código de Trânsito Brasileiro, e a resolução CONTRAN no 789/20.

Atuando junto aos CFC’s, existe a importante figura do instrutor de trânsito, este por sua vez pode exercer duas atividades primordiais juntos aos CFC’s, a saber, a ministração de aulas teóricas e práticas de direção veicular. Os instrutores teóricos são responsáveis pelo ensino conceitual, onde são explicadas normas, leis, sinalização e conscientização sobre o trânsito. Já o instrutor prático, ensina o futuro condutor a dirigir, inserindo-o no contexto completo do trânsito.

É importante salientar que antes do CTB de 1997 só existiam aulas práticas de direção nas autoescolas, à figura do instrutor teórico que é responsável por ministrar as aulas conceituais nos CFC’s surge apenas depois da edição de lei específica com sua consequente regulamentação no ano de 2010.

No caso dos Centros de Formação de Condutores, onde atuam os instrutores, muitos candidatos, infelizmente, almejam muitas das vezes apenas a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), desvalorizando o processo educativo e consequentemente os saberes transmitidos por estes profissionais, sejam dos instrutores teóricos ou dos práticos. Os esclarecimentos ministrados em sala de aula, não devem ficar no campo meramente informativo, mas, sobretudo, deve se buscar que os mesmos se tornem valiosas lições para que os alunos refletirem sobre a temática debatida, neste caso o trânsito, bem como seus comportamentos ao dirigir. É de responsabilidade do instrutor prático não apenas ensinar o domínio do veículo, mas também de conscientizar aos futuros motoristas sobre a realidade complexa que o mesmo está inserido, demonstrando e conscientizando sobre a premente necessidade de se sentirem responsáveis por suas atitudes e eventuais falhas no trânsito.

É bem sabido que o trânsito é um organismo de constante transformação, pode- se dizer que o mesmo é um ambiente complexo onde há uma convivência indissociável entre pedestre, motociclista, ciclista e diversos outros atores. O pretenso condutor já está inserido de cara no trânsito como pedestre ou até mesmo como passageiro já possuindo muitas das vezes valores e conceitos pré-estabelecidos sobre o trânsito, todavia, é importante destacar que esse jovem ainda não possui educação, educação esta que se notou necessária para uma convivência, embora como dito indissociável, mas também harmônica, no trânsito evitando desta forma minimizar os inúmeros acidentes automobilísticos que ocorrem ano após ano no brasil.

A educação sempre será a principal arma valorativa que um cidadão tem ao seu alcance para o exercício e o usufruto de qualquer direito, todavia o saber não pode (e não deve) ser adquirido por meio de uma mera transferência ou depósito de experiências para o aluno, procurar harmonizar e quiçá humanizar o processo ensino aprendizagem voltado para o trânsito é uma árdua tarefa incumbida ao instrutor de trânsito que sabiamente foi designado especificamente para missão de instruir os alunos acerca dos conhecimentos teóricos e para o desenvolvimento das habilidades necessárias à obtenção, alteração, renovação da permissão para dirigir e da autorização para conduzir ciclomotores, não sendo uma figura solta ou meramente estranha às saberes que ali são debatidos e praticados.

FREIRE7 (2013) expõe a importância de ―saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou, a sua construção‖. Este saber necessário ao professor – de que ensinar não é transferir conhecimento – não apenas precisa ser apreendido por ele e pelos educandos nas suas razões de ser – ontológica, política, ética, epistemologicamente, pedagógica – mas também deve ser constantemente testemunhado, vivido.

É bem verdade que a educação algumas vezes visa atingir diferentes objetivos, nas cidades de Esparta e Atenas, por exemplo, a primeira tinha como fito o desenvolvimento do condicionamento físico para o exercício e vivência no âmbito militar, criando e reformulando práticas de guerra; já para a segunda, o objetivo estava mais voltado para o alcance da razão, para a melhoria da agricultura, da filosofia e da ciência. Vislumbra-se com isso que a educação ministrada pelos CFC’s, através de seus instrutores de trânsito possui um objetivo claro, que se difere dos professores da rede regular de ensino ou de palestrantes que é o da formação específica de um condutor.

Nesta linha ECCO e NOGARO (2015) muito bem sintetizam o entendimento esboçado por Freire ao afirmarem categoricamente a educação como um processo de humanização. Há que se considerar, inicialmente, que educação é um vocabulário complexo, que induz a múltiplos conceitos, significados e sentidos. Para muitos, por exemplo, refere-se ao trabalho desenvolvido no âmbito institucional, mais precisamente em escolas, faculdades, universidades e instituições similares, reduzindo o conceito ao processo ensino-aprendizagem. Para outros, a educação relaciona-se ao nível de civilidade, cortesia, urbanidade, bem como à capacidade de socialização manifesta por determinado indivíduo.

O CTB de 1997 traz em seu artigo 1559 que a formação de condutor de veículo automotor e elétrico será realizada por um instrutor de trânsito. Embora a legislação (lei 12.302/2010) não reconheça em seu texto formal a categoria dos instrutores de trânsito como educadores ou professores, em seu texto a lei prevê que o profissional responsável pela formação de condutores é o instrutor. De acordo com o dicionário on-line Aurélio (2020) a palavra instruir significa: 1- Formar o espírito de alguém com lições; 2-Instruir a Juventude. 3-Trabalha para instruir; 4- Dar ciência de alguma coisa. Não restam dúvidas que se evidencie latente a necessidade de se pensar e repensar de forma técnica e acadêmica sobre a formação de condutores no Brasil, procurando compreender o verdadeiro significado por detrás da expressão ―formação de condutor‖ para que tenhamos cada vez mais uma melhoria para se conviver e viver nos espaços públicos, sejam eles urbanos ou rurais.

É importante destacarmos também que o estado possui um dever perante a sociedade de garantir e efetivar a Educação (seja qual for) com os devidos padrões de qualidade; tal garantia encontra respaldo nas normas contidas nos termos do art. 206, incisos VII, ambos elencados no capítulo III – da Educação, da Cultura e do Desporto da Constituição Federal de 1988, cuja transcrição, ipsis litteris:

Vislumbram-se em especial nesse fragmento da carta constitucional que o estado deve ofertar a educação com garantia de padrão de qualidade para os educandos (candidatos). Os CFC’s, por sua vez, conforme estipulado pela resolução CONTRAN no 789/20, devem utilizar-se de práticas pedagógicas da forma mais estratégica possível tendo como intuito construir o senso crítico do candidato que visa à obtenção da CNH.

O direito brasileiro é signatário de grande parte dos tratados e acordos internacionais, tanto que a educação é considerada como um princípio jurídico e amplamente reconhecida como um direito fundamental, tendo sido consagrada pela Constituição Federal de 1988. A Carta Magna brasileira faz menção expressa à importância da qualidade da educação, tratando-a como um princípio basilar do ensino a ser ministrado, ou seja, garante o direito à educação com ―padrão de qualidade‖ para todos.

A importância da análise desse tema pode ser vista na prática, quando se trata da exigibilidade jurídica do direito à educação. Percebe-se que, atualmente, há uma compreensão da sociedade, assim como um entendimento favorável da doutrina (juristas) e jurisprudência (tribunais) brasileira, quanto ao direito ao acesso e à permanência no ensino; porém, tal compreensão não é verificada em relação à justiciabilidade do direito à qualidade do ensino.

CAMARGO (1997)10 tece valiosos comentários acerca da discussão sobre o padrão de qualidade de ensino em assembleia Constituinte:

De um lado, ela remete aos fins da educação, com todo grau de generalidade expresso nos diferentes artigos propostos sobre este tema por inúmeras entidades, parlamentares e personalidades participantes do processo Constituinte. De outro lado, remete à ideia de produtividade, eficácia e eficiência do investimento público no setor educacional estatal, e seu planejamento para alcançar tais ideais expressos em lei (não apresentando muita diferença com relação às ideias presentes nas leis 4.024/61, 5.692 /71 e 7.044/82). Por último, possibilita, ainda que em termos imprecisos, a ideia de controle sobre a iniciativa privada, estabelecendo a “qualidade” como um dos critérios para a continuidade ou não da concessão de seu funcionamento, ou seja, seria um fator de controle público daquilo que está na esfera particular. (CAMARGO, 1997, p. 126-127). (DESTAQUE NOSSO)

A formação por meio do instrutor de trânsito é importante, e se revela como um diferencial para uma educação de qualidade, pois a mesma exige formação contínua, tendo em vista que os cursos dos instrutores terão validade máxima de 5 (cinco) anos, quando os profissionais deverão realizar obrigatoriamente curso de atualização, (conforme exigência da resolução CONTRAN no 789/2020 com o devido acompanhamento e reformulação das suas práticas pedagógicas. A relação entre teoria e prática, também, coloca-se como algo diferencial, pois cada instrutor terá a conscientização de novas práticas a atualizações conceituais pertinentes renovadas nestes cursos.

FELDMAN (2009)11 contribui de forma significativa para melhor elucidar essa questão:

O professor, na qualidade de profissional da educação, necessita de uma formação continuada, que inclua sua área do conhecimento específico, a área pedagógica e a dimensão política. Incentivado a trabalhar em equipe e coletivamente com seus colegas, está sempre trocando ideias e experiências sobre ações pedagógicas, projetos inovadores e mediação com os alunos.

A finalidade da educação, tomando como base o texto final do já citado artigo 205 da Constituição, visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Ter qualidade na educação é uma preocupação do poder público, seja ela oferecida diretamente por ele ou se por meio da colaboração com a iniciativa privada. Os centros de formação de condutores passam por um processo de credenciamento perante o estado do DETRAN ao qual o mesmo visa atuar, tal processo de credenciamento possui regulação específica regulando diretrizes, obrigações para uma melhor formação do candidato.

GUSMÃO (2010)12, sintetiza ao dizer que: ―a garantia de padrão de qualidade‖ foi reafirmada na LDB como um dos princípios sob os quais o ensino será ministrado (inciso IX do artigo 3o). No texto da lei, a palavra qualidade é encontrada dez vezes. Logo no artigo 4o, que discorre sobre as garantias com as quais o dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado, especifica-se o que está sendo compreendido como padrões mínimos de qualidade: ―Variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino- aprendizagem‖. Ou seja, privilegia-se, nesta lei, um entendimento de qualidade como insumos, relacionando-se à questão do financiamento da educação.

É importante destacar que os órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, por delegação do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), são os responsáveis, no âmbito de sua circunscrição, pelo cumprimento dos dispositivos do CTB e das exigências das demais legislações, devendo providenciar condições organizacionais, operacionais, administrativas e pedagógicas, em sistema informatizado, por meio de rede nacional, para permitir o registro, acompanhamento e controle no exercício das funções exigidas nesta Resolução, conforme padrão tecnológico estabelecido pelo Órgão Máximo Executivo de Trânsito.

A resolução no 789/2020, estabelece a estrutura curricular a ser seguida pelos CFC’s durante a realização de suas aulas teóricas e práticas de direção veicular com conteúdos que devem contemplar obrigatoriamente a condução responsável de automóveis ou motocicletas, utilizando técnicas que oportunizem a participação dos candidatos, devendo o instrutor, por meio de aulas dinâmicas, fazer sempre a relação com o contexto do trânsito a fim de proporcionar a reflexão, o controle das emoções e o desenvolvimento de valores de solidariedade e de respeito ao outro, ao ambiente e à vida. Nas aulas de prática de direção veicular, o instrutor deve realizar acompanhamento e avaliação direta, corrigindo possíveis desvios, salientando a responsabilidade do condutor na segurança do trânsito.

Nota-se a grande responsabilidade do instrutor de trânsito na missão de formação de um condutor, pois legalmente ao final de cada aula ou conjunto de aulas de prática de direção veicular, lhe é incumbido elaborar relatório detalhado do comportamento do candidato, esboçar se o mesmo tem conhecimento das normas de conduta e circulação estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro, bem como corrigir as eventuais faltas cometidas pelo candidato durante o processo de aprendizagem.

É importante salientar que atualmente os órgãos executivos estaduais de trânsito dos Estados e do Distrito Federal poderão estabelecer rotinas para a recepção eletrônica dos relatórios elaborados pelos instrutores de trânsito, os quais servirão para fins de acompanhamento e evolução do processo de aprendizagem dos órgãos pelo controle e expedição da carteira nacional de habilitação, conforme regulamentação elaborada pelo Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN.

Desta feita, tendo tais relatórios em mãos mostra-se oportuno destacar a possibilidade de um estudo técnico sobre a eficácia do monitoramento eletrônico no processo ensino aprendizagem na formação de condutores.

3. A DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA COMO INSTRUMENTO DE ACESSO À EDUCAÇÃO NO TRÂNSITO E SUA RELAÇÃO NO EXERCÍCIO DA CIDADANIA.

Tendo em vista os momentos de crises administrativas que o Brasil vem sofrendo nos últimos anos, sejam elas desencadeadas por instabilidades de cunho econômico ou por turbulências políticas, é notório que necessidade de se pensar e repensar em formas mais eficientes de não mitigar o acesso dos cidadãos aos serviços básicos, bem como propiciar a gestão pública de formas eficazes de atuar em seu mister alcançando mais cidadãos e racionalizando gastos, adequando sua estrutura para torná-las mais acessíveis a todos que dela necessitem, visando dar mais efetividade com a prestação dos serviços oferecidos, se mostra além de um importante instrumento no controle de gastos, uma forma eficiente de garantir ao cidadão maior abrangência da atuação estatal utilizando-se das melhores formas para o aproveitamento dos recursos públicos.

Uma dessas formas administrativas que possui como premissa atender a sua missão é servir a população na prestação de serviços públicos é a descentralização administrativa que de forma sintética podemos conceituar como a (re) distribuição de competências de uma pessoa jurídica para outra que desempenha algumas de suas funções por meio de outras pessoas jurídicas. A descentralização tem como regra o envolvimento de duas pessoas jurídicas distintas: o Estado e a pessoa que executará o serviço por ele recebido. É importante ressaltar que a especialização na prestação do serviço descentralizado é o desejável em termos de técnica administrativa e que possui previsão no Decreto-Lei no 200, em seu art. 6o, inciso III, elegeu a ―descentralização administrativa‖ como um dos princípios fundamentais da Administração Federal.

BRESSER-PEREIRA (2004)13, sintetiza que a descentralização foi uma alternativa encontrada para resolver o aumento da complexidade da administração e que buscava, como todos os atos de uma administração racional, aumentar a eficiência da organização.

Já DI PIETRO (2002)14 expõe que a descentralização administrativa ocorre quando as atribuições que os entes descentralizados exercem, só tem o valor jurídico que lhes empresta o ente central; suas atribuições não decorrem, com força própria, da constituição, mas do poder central. É o tipo de descentralização própria dos Estados unitários, em que há um centro único centro de poder, do qual se destacam, com relação de subordinação, os poderes das pessoas jurídicas locais.

Conforme elucidado a descentralização administrativa é uma manifestação pelo qual uma pessoa jurídica de direito público interno (União, Estados, Distrito federal ou Município) delega uma determinada prerrogativa para uma pessoa jurídica diversa, segundo MEIRELLES (2016)15 duas são as formas de execução dos serviços descentralizados :

a) Por outorga; b) Por Delegação;

Em linhas gerais podemos dizer que existe outorga quando o Estado cria uma entidade e suas prerrogativas só podem ser transferidas mediante lei, ao passo que na delegação o Estado pode transferir, seja por lei, contrato (concessão ou consórcio público) ou ato unilateral (permissão ou autorização), a prerrogativa de execução do serviço, para que o delegado o possa prestar em seu nome e por sua conta e risco, nas condições regulamentadas e sob controle estatal.

A distinção entre serviço outorgado e serviço delegado é fundamental, porque aquele é transferido por lei e só por lei pode ser retirado ou modificado, e este tem apenas sua execução transpassada à terceiro, seja por lei, contrato ou ato administrativo (bilateral ou unilateral), pelo quê pode ser revogado, modificado ou anulado, como são os atos dessa natureza 16.

Salienta-se que a classificação acima exposta não é unânime na doutrina, onde alguns preferem adotar outras classificações sobre a descentralização, a exemplo da geográfica, a de serviços e a por colaboração adotada pela eminente professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Entre as adoções mencionadas selecionamos para melhor elucidação do tema aquela adotada pelo saudoso Professor Helly Lopes Meirelles, por concluirmos que os critérios utilizados pelo autor se apresentam como os mais elucidativos dentre os demais.

Tecidas as breves explanações se torna evidente que foram delegados aos CFC’s a prerrogativa para prestação dos serviços de formação de condutores, conforme norma prevista no art. 156 do CTB17, que estabelece que o CONTRAN regulamentará o credenciamento para prestação de serviço pelas auto-escolas e outras entidades destinadas à formação de condutores e às exigências necessárias para o exercício das atividades de instrutor e examinador.

Neste sentido veio à época a edição da resolução CONTRAN no 358/2010 cujo objetivo foi justamente o de regulamentar o processo de credenciamento de pessoas jurídicas de direito privado, conforme previsto no art. 7o e parágrafos, definindo que as auto-escolas, a que se refere o art. 156 do CTB, passariam a ser denominadas de Centros de Formação de Condutores – CFC sendo empresas particulares ou sociedades civis, constituídas sob qualquer das formas previstas na legislação vigente, devendo ter como atividade exclusiva o ensino teórico e/ou prático visando a formação, atualização e reciclagem de candidatos e condutores de veículos automotores, sendo credenciados pelo órgão ou entidade executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal por período determinado, podendo ser renovado por igual período, desde que atendidas as disposições da Resolução no 358/2010, cujas transcrição in verbis:

 Art. 7o As auto-escolas a que se refere o art. 156 do CTB, denominadas Centros de Formação de Condutores – CFC são empresas particulares ou sociedades civis, constituídas sob qualquer das formas previstas na legislação vigente.

 § 1o Os CFC devem ter como atividade exclusiva o ensino teórico e/ou prático visando a formação, atualização e reciclagem de candidatos e condutores de veículos automotores;

§ 2o Os CFC serão credenciados pelo órgão ou entidade executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal por período determinado, podendo ser renovado por igual período, desde que atendidas as disposições desta Resolução.

Perceba-se que as empresas que executam serviços públicos em nome do Estado, mesmo que de forma descentralizada, possuem função social ainda maior do que as empresas privadas sem nenhuma relação com a Administração, pois, além da universalização do serviço público ser considerada como instrumento de realização de Direitos fundamentais, a aplicação conjunta da natureza jurídica pública e privada admite uma perspectiva mais ampla do sistema jurídico brasileiro.

ABREU (2016)18 define que as vantagens e desvantagens de uma descentralização dependem das condições em que ela ocorrer. Uma escolha inadequada pode trazer custos altíssimos para a organização, como baixa velocidade na tomada de decisões, menor efetividade na atuação da organização, distorção na comunicação, duplicação de recursos e perda de controle gerencial. Além disso, a opção por uma estrutura descentralizada implica assumir as perdas das vantagens que uma administração centralizada traz, mas qualquer nível de descentralização precisa levar em consideração o que descentralizar e em que nível isso deve ser feito: quanto de responsabilidade e de poder decisório e que atividades devem ser transferidas. Precisa- se definir o limite favorável à empresa, estabelecendo como deve funcionar uma unidade descentralizada em termos de autonomia, ou seja, como o poder de decisão deve ser distribuído, e em termos de disposição dos processos e atividades.

FREIRE (1989)19 por sua vez enfatiza sobre necessidade de uma análise técnica sobre a relação do homem no exercício da cidadania e o papel da educação nesse processo.

(…) Indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado e cidadania “tem que ver com a condição de cidadão, quer dizer, com o uso dos direitos e o direito de ter deveres de cidadão”. É assim que ele entende “a alfabetização como formação da cidadania” e como “formadora da cidadania”. (FREIRE, Paulo. Política e Educação, Cortez, 1989.)

MARCOLINO (2018)20 destaca que a cidadania reporta-se a um conjunto de direitos e deveres que envolve os seres humanos integrantes de diferentes ambientes sociais. Um dos direitos essenciais da pessoa é a educação, pois é através dela que nos tornamos cidadãos, com direito de expressar ideias e possibilidade de participar ativamente da vida, do governo, tendo liberdade de votar e de praticar o exercício pleno dos direitos civis, políticos e sociais. Não nascemos cidadãos. A cidadania se dá por meio de relações; portanto, a educação deve desenvolver nos indivíduos seus potenciais para assumir efetivamente o exercício da cidadania. A pessoa que não exercita sua cidadania é considerada excluída, marginalizada da sociedade, mesmo que inserida a um grupo social‖. Há de se reconhecer uma relação latente entre cidadão e o exercício da cidadania, onde neste manuscrito procuramos demonstrar como necessários e essenciais para os cidadãos. Conforme visto o Estado, através dos DETRAN’s, optou pela descentralização deste serviço, delegando as atribuições a pessoas jurídicas com fim específico de formação de condutores, onde acreditamos que o fito principal foi o de alcançar de forma mais eficaz um maior número de cidadãos e oferecer a estes uma formação específica para o alcance e o usufruto de determinados direitos.

4. POLÍTICA PÚBLICA X PROJETO POPULISTA

Tendo a contínua necessidade de avaliar os numerosos processos de formação de condutores que são demandas diárias e que devem ser disponibilizadas da melhor forma a todos os cidadãos que possuam os critérios de se submeter a um processo de obtenção de CNH, conforme norma do art. 140 do CTB, o Estado, através dos DETRAN’s perceberam que a atuação estatal teria muito mais alcance se pessoas jurídicas devidamente credenciadas oferecessem a execução do serviço, ficando a cargo dos departamentos de trânsito a sua efetiva fiscalização.

É importante salientar que o art. 205 da Constituição Federal expõe que a educação é um direito de todos e que também constitui um dever do Estado sua promoção e colaboração, juntamente com a sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Torna-se necessário um debate sobre os resultados advindos dos citados projetos de leis que procuram cessar com a exigência dos CFC’s, em eventual aprovação; Como seria garantida a formação do condutor, haja vista o próprio CONTRAN, bem como o CTB em seu art. 155 afirmarem que a formação de condutor de veículo automotor e elétrico será realizada por instrutor autorizado pelo órgão executivo de trânsito dos Estados ou do Distrito Federal; Propiciar que qualquer condutor tenha a responsabilidade por formar outro, conforme previsto em um dos projetos, deve ser no mínimo questionado; tal premissa traz como lógica razoável que qualquer cidadão que tenha um diploma legal possa exercer qualquer profissão, um exemplo sempre recorrente sobre a exigência de aprovação prévia em exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que bacharéis em direito possam exercer a advocacia. É importante salientar que tal temática já fora rechaçada por unanimidade pelos Ministros através do Recurso Extraordinário (RE 603583). Percebeu-se ali a preocupação Ministerial para que haja uma avaliação prévia para a execução de uma atividade tão essencial que é a advocacia; diante dessa mesma essencialidade por qual motivo seria diferente para a formação de condutores, tendo em vista que atualmente o encargo para ofertar a habilitação e formar um condutor possui vários condicionamentos legais, pedagógicos, operacionais e uma grande adequação por parte dos CFC’s para cumprimento dessas exigências, conforme largamente debatido em linhas retro.

Muito além de proporcionar a formação específica, os CFC ‘s são verdadeiras entidades de ensino e seu reconhecimento por tal status ainda carece de olhares técnicos e quiçá políticos. Suas atividades proporcionam como fim geral uma das formas de acesso ao exercício da cidadania. É de tamanha ingenuidade crer que o conceito sobre cidadania se limite à mera garantia de participação efetiva nas decisões sociais (direito a voto por exemplo), a mesma visa garantir algo mais, visa oferecer ao cidadão várias possibilidades para o seu efetivo exercício.

COURA e ZAGANELLI (2019)21 expõe valioso conceito sobre cidadania ao afirmar que a mesma consiste, dentre outros aspectos, no respeito, na liberdade, na solidariedade e na democracia, em suma, visa proteger os direitos garantidos no Estado de Direito, mas, sobretudo, em cumprir para com seus deveres constitucionais a fim de contribuir em prol de uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária, tal como preconiza o inciso I do art. 3o da Constituição Federal ao enfatizar os objetivos da República Federativa brasileira.

Alcançar uma habilitação de fato pode abrir portas para diversas possibilidades, uma das principais que pode ser dita para o mercado de trabalho atual e que cresceu vertiginosamente no mercado delivery nos últimos anos e que deram grande espaço aos chamados motoboys.

É inegável que a obtenção da CNH é de extrema importância, pois pode ser mais um meio de combater as inúmeras desigualdades sociais existentes, assunto este que não será objeto de debate por fugir de nossa proposta.

É de se ressaltar que a cidadania sofreu inúmeras transformações com o passar do tempo, expandiu a abrangência de sua concepção, abrindo um leque para todas as classes sociais, não se limitou mais apenas à mera participação política para elencar uma série de deveres da sociedade para com o cidadão. Na teoria a mesma possui essência igualitária, todavia na prática ainda há muito trabalho para que direitos e deveres sejam efetivamente ofertados nas mesmas condições para todos.

Neste diapasão, é compreensível o intuito imediato das propostas em questão, pois diante de um país com tantas desigualdades sociais, entendemos que os custos de uma habilitação, muitas vezes possam parecer desarrazoados, tendo como parâmetro o salário mínimo recebido por grande parte da população, todavia, procurando ter responsabilidade para ver o ―outro lado da moeda‖ importante seria a realização de um estudo técnico do valor real de uma habilitação, levando-se em consideração seu custo total, com impostos, salários, valor da gasolina que se mostra desarrazoado, hora aula do profissional, custo de manutenção do veículo e etc.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tantos contrassensos legais o presente estudo sugere uma melhor reflexão sobre a eficácia da formação inicial de condutores no Brasil através dos CFC’s, com estudos técnicos que mostrem a efetividade (ou não) da sua atuação, para que não se caia na falsa ilusão de uma proposta populista sob o manto de uma política pública.

É importante salientar que entendemos que os custos destes processos muitas vezes podem de fato ser inviáveis para grande parte da população brasileira, todavia, salvo melhor juízo, vislumbra-se que o mais razoável do que propagar pelo ―fim dos CFC’s‖, seria que se fornecesse uma proposta alternativa que vise uma reforma administrativa e/ou tributária, incentivando pela diminuição (ou até isenção) das taxas deste serviço ou por uma maior promoção e incentivo na diminuição dos encargos dos fornecedores destes serviços, podendo desta forma, ter meios mais contundentes de se diminuir os custos do processo de habilitação, tornando-o mais acessível a todos os brasileiros.

Entende-se de igual forma que a frente parlamentar visa através de seus fundamentos acabar ou tornar optativa uma formação específica, no qual embora o intuito seja o de tornar mais acessível um documento que para muitos brasileiros, devido ao seu custo, se torna dificultoso, todavia, de igual forma entendemos necessário se debater sobre a real necessidade dos CFCs, mas com o confronto de dados objetivos e dentro da realidade brasileira.

É primordial para o Brasil esse debate por afetar direta ou indiretamente vários segmentos; Tal perspectiva vislumbra alterações significativas no âmbito da qualidade de ensino e, consequentemente como reflexo lógico no trânsito brasileiro, que conforme visto é um dos mais perigosos do mundo.

FELLIPE MICHEL SOARES BARROS

Doutorando em Direito. Mestre em Direito pela PUC-RS (2020).

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